Coberturas
Chuva em SC: as muralhas do Vale do Itajaí
Se não fossem as barragens de Taió, Ituporanga e José Boiteux, o Itajaí-Açu teria subido mais dois metros esta semana, chegando a 10,5 m em Blumenau
Se não fossem as barragens de Taió, Ituporanga e José Boiteux, o Itajaí-Açu teria subido mais dois metros esta semana, chegando a 10,5 m em Blumenau
CRISTIAN WEISS
BLUMENAU
Enquanto o véu d’água com mais de 50 centímetros de espessura transbordava da Barragem Oeste, em Taió, terça-feira, João da Silva subia, de hora em hora, as escadas do dique para conferir a medição do reservatório. João estava tranquilo, cuida apenas dos serviços gerais da barragem, mas conhece como poucos as particularidades da represa. E sabe da importância que ela tem para os municípios situados depois dela:
– Se não fosse a barragem, a partir de Taió estaria todo mundo debaixo d’água – avisa.
Segunda-feira, o Vale do Itajaí registrou mais uma enchente, causada por 219,7 milímetros de chuva que caíram entre os dias 22 e 27 de abril. Juntas, as barragens Oeste, Sul e Norte represaram 313 bilhões de litros de água que vieram dos afluentes do Rio Itajaí-Açu.
Em Blumenau, o nível do rio alcançou 8,46 m, o suficiente para invadir casas nas ruas mais baixas. Mas se não existissem as barragens de José Boiteux, Taió e Ituporanga, os estragos seriam mais expressivos: o rio chegaria a 10,50 m em Blumenau, apenas um metro a menos do que o nível que castigou a cidade em novembro de 2008. O cálculo foi feito a pedido do Santa pelo engenheiro Ademar Cordero, especialista em Hidrologia e responsável em Blumenau pelos gráficos que expressam o comportamento do Itajaí-Açu em caso de chuva.
Barragem reteve volume de água semelhante ao da cheia de 1984
– As barragens são um sistema extremamente eficaz. Salvam muitos patrimônios e nos garantem mais tempo para executarmos uma ação de salvamento até que a água possa chegar – analisa o diretor da Defesa Civil de Blumenau, Carlos Olímpio Menestrina.
A marca de 219,7 milímetros de chuva é semelhante à registrada na enchente de 1984, quando a média no Vale foi de 216,21 milímetros e gerou a cheia de 15,46 metros do ItajaíAçu em Blumenau. A diferença, no entanto, é que em 1984 o volume de chuva se concentrou em apenas dois dias, reduzindo a possibilidade de vazão da água. Também não havia a Barragem Norte, em José Boiteux, a maior das três instaladas no Vale e a mais próxima de Blumenau, que esta semana represou 226,67 bilhões de litros de água.
– A barragem de José Boiteux foi importante para a redução da cheia em Blumenau com essa concentração de chuva. Desde que entrou em operação, em 1992, nunca represou tanta água como agora – explica Cordero.
Capa do Santa tem a sacada da linha da vida para explicar posição das barragens que protegem o Vale |
Poderia ser pior
Na segunda-feira, às 19h, o Rio Itajaí-Açu atingiu o nível mais alto da enchente, com 8,46 m. No momento, a Barragem Norte, em José Boiteux, estava com as duas comportas fechadas e operava com 52% da capacidade. A Barragem Sul, em Ituporanga, também tinha as comportas fechadas, com o reservatório ocupado em 43%. Em Taió, a Barragem Oeste transbordava desde as 13h, com a lâmina de água de 40 centímetros de espessura. Por meio de cálculos e simulações dos efeitos das barragens, o engenheiro hidrólogo Ademar Cordero demonstra como a situação poderia ser pior para Blumenau:
Se a Barragem Norte não existisse
■ É a mais próxima de Blumenau e a que interfere diretamente no nível do rio dentro da cidade. Às 19h de segunda-feira, chegavam à barragem 561 mil litros de água por segundo. Se não fosse represada, os hidrólogos calculam que a água retida na Barragem Norte aumentaria em 1,43 m o nível do Itajaí-Açu em Blumenau
■ O volume da barragem seria acrescido ao nível do Rio ItajaíAçu, caso a barragem não existisse. Assim, se dependesse só de José Boiteux, o nível do rio em Blumenau poderia ter chegado a 9,90 m no horário de pico da enchente
Se as barragens Oeste e Sul não existissem
■ No horário em que o Itajaí-Açu atingiu o pico em Blumenau, as duas barragens represavam um volume de água correspondente no município a 239 mil litros por segundo. Pelo cálculo de deslocamento do volume, a vazão corresponderia a 60 centímetros de água no Itajaí-Açu em Blumenau
■ Caso as duas barragens não existissem, a medida seria somada ao nível máximo do Itajaí-Açu em Blumenau e teria resultado num pico de 9,06 m
Se as três barragens não existissem
■ Juntas, as barragens de Taió, José Boiteux e Ituporanga receberam e armazenaram um volume de água que corresponderia em Blumenau a 800 mil litros por segundo às 19h de segunda-feira. Se nenhuma das três existisse, o rio em Blumenau teria chegado a 10,50 m. Confira no gráfico a evolução real do Itajaí-Açu nos cinco dias de enchente em comparação à simulação caso as barragens não existissem.
FONTE: Engenheiro hidrologista Ademar Cordero/Ceops da Furb
Controle das barragens é feito por famílias
A Barragem Oeste, em Taió, é operada pelos irmãos Jodir e João da Silva, que há cinco anos foram contratados para medir o nível de água represada e manter o local limpo. De hora em hora, observam a altura do rio e enviam as informações por meio de radioamador aos engenheiros do Deinfra, em Florianópolis. Para ser um operador não é exigido curso ou formação específica. Basta boa vontade.
Em Ituporanga está o mais experiente operador. José Antonio Lenzi, 64 anos, há 35 trabalha na Barragem Sul. Antes, por 12 anos operou a barragem de Taió. Ele conta com a ajuda do filho e de mais duas pessoas.
– O conhecimento de todo o sistema que organiza a barragem a gente só aprende no dia a dia e com as enchentes. Não há curso que ensine – considera Lenzi.
Diretor de Obras Civis e Hidráulicas do Deinfra, Luiz Cavalheiro garante que não há necessidade de engenheiros ou especialistas acompanhando diretamente as barragens. Desde dezembro de 2009 o monitoramento é feito a distância, via satélite, e os engenheiros do Deinfra são enviados às represas apenas em casos de emergência, que exijam cálculos para a liberação das comportas.
Rio do Sul sai do estado de alerta
Com o nível do Rio Itajaí-Açu abaixo de 6,50 m em Rio do Sul, sexta-feira a Defesa Civil retirou o estado de alerta e autorizou as famílias que residem nos bairros Bela Aliança e Taboão a deixar os abrigos provisórios onde estavam desde a enchente dessa semana. Das 24 famílias que estavam nos alojamentos na tarde de quinta-feira, seis já iniciaram a operação de retorno.
As outras 18 famílias que permanecem desalojadas, um total de 67 pessoas, moram na parte baixa do Loteamento Jardim Alexandro, no Pamplona, e ainda não podem retornar. Como há possibilidade de chuva no final de semana, a Defesa Civil ficará de plantão por 24 horas, no 199.
Projeto original previa oito barragens
Estudo finalizado em 1988 também sugeria ampliação do Rio Itajaí-Açu
Após as enchentes de 1983 e 1984, uma comitiva de técnicos e engenheiros da Agência de Cooperação Internacional do Japão veio ao Vale do Itajaí estudar as condições geográficas da região e projetar soluções para as cheias. Finalizado em 1988, o estudo conhecido como Projeto Jica propunha o alargamento do Rio Itajaí-Açu da nascente até a foz. Mas a principal proposta era a construção de cinco barragens, sendo duas delas em Trombudo Central e outras três em Benedito Novo, Apiúna e Botuverá. Nunca houve definição sobre as características, a dimensão e a capacidade de cada estrutura.
Hoje, duas ações do Projeto Jica se mostram inviáveis por causa do impacto ambiental e social que causariam: o alargamento do rio e a construção da barragem em Apiúna. A construção de represas, no entanto, ainda hoje é necessária para conter as cheias, reforça o engenheiro hidrólogo Ademar Cordero, que participou de algumas discussões do projeto. Um banco japonês estava disposto a financiar US$ 300 milhões para as obras, que estariam a cargo do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), do governo federal. O departamento foi extinto em 1990 e as propostas foram rejeitadas por especialistas catarinenses.
– Hoje, a proposta não daria o retorno que eles estavam esperando. Na época, era mais simples fazer obras desse porte, não havia tantas limitações jurídicas e ambientais – explica o diretor de Obras Civis e Hidráulicas do Deinfra, Luiz Cavalheiro, que reconhece a necessidade de mais barragens, mas avisa que não há projeto para isso.
Japoneses vão recriar propostas para contenção das cheias
A partir de segunda-feira, 11 engenheiros da Agência de Cooperação Internacional do Japão retomam o estudo sobre a Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí-Açu. O objetivo do novo Projeto Jica é estudar as características de uma área de 15 mil quilômetros quadrados para levantar as causas das enchentes e propor soluções, explica a coordenadora para Santa Catarina, Reginete Panceri.
Desta vez, além das cheias, também serão analisados pelos técnicos japoneses os deslizamentos de terra. A comitiva ficará no Vale do Itajaí até setembro de 2011. Nesta segunda-feira, às 15h, uma cerimônia na Secretaria de Desenvolvimento Regional de Blumenau apresentará os especialistas responsáveis pelo projeto.
Cidades ajudam Taió
Todos os Centros de Educação Infantil e as escolas das redes municipal e estadual de Taió retornam às atividades normais segunda-feira. O transporte escolar também volta. Sexta-feira já não havia mais enchente e os desalojados voltaram para casa. A Defesa Civil Estadual enviou doações que serão entregues às famílias atingidas. Blumenau também lançou campanha de solidariedade. A cidade foi a mais atingida pela chuva desta semana no Vale.
Serviço
Doações – Até 9 de maio, no 23º Batalhão de Infantaria; PM; Corpo de Bombeiros; Semascri (Rua Antônio da Veiga, 439, Victor Konder); mercados BIG, Bistek, Cooper, Giassi e Super Top.
Escudos contra enchente
Barragem Oeste – Taió
Inauguração: 1973
Quem projetou: DNOS, extinto em 1990
Quem administra: Deinfra
Comportas: 7
Capacidade: 83 bilhões de litros de água, em uma estrutura de 25 metros de altura
Tempo para a água chegar a Blumenau: 25 horas
Cidades diretamente afetadas pela vazão do Rio Itajaí D’Oeste: Taió, Rio do Oeste, Rio do Sul e Agronômica
Quando as comportas são abertas:Se o Rio das Pombas, em Rio do Oeste, estiver cheio, ela é a última a ter as comportas abertas
Equipe de trabalho: 2 pessoas
Barragem Norte – José Boiteux
Inauguração: 1992
Quem projetou: Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), extinto em 1990
Quem administra: Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra)
Comportas: 2
Capacidade: 357 bilhões de litros de água em uma estrutura de 58,5 metros de altura
Tempo para a água chegar a Blumenau: 18 horas
Cidades diretamente afetadas pela vazão dos rios Hercílio e Itajaí do Norte: todas entre Blumenau e Itajaí
Quando as comportas são abertas: Se o Rio Itajaí-Açu em Blumenau estiver muito cheio, a barragem fica fechada. Caso o reservatório encha demais, analisa-se a possibilidade de deixar transbordar ou abrir as comportas
Equipe de trabalho: 4 pessoas
Barragem Sul – Ituporanga
Inauguração: 1976
Quem projetou: DNOS, extinto em 1990
Quem administra: Deinfra
Comportas: 5
Capacidade: 93,5 bilhões de litros d’água, em uma estrutura de 43,5 metros de altura
Tempo para a água chegar a Blumenau: 21 horas
Cidades diretamente afetadas pela vazão do Rio Itajaí do Sul: Ituporanga, Aurora e Rio do Sul
Quando as comportas são abertas:depende do nível do Rio Itajaí-Açu em Ituporanga e Rio do Sul, cidade atingida pelo entroncamento desta barragem e da Barragem Oeste
Equipe de trabalho: 4 pessoas
Fonte: Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) e Centro de Operação do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí-Açu (Ceops)
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