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BR-470: A reportagem que a Presidência da República leu e se mobilizou
Um exemplar do Jornal de Santa Catarina foi entregue diretamente às mãos da presidente Dilma Rousseff. E o resultado esperado se concretizou em menos de uma semana
CRISTIAN EDEL WEISS
A maior satisfação para um jornalista é quando a história que publicou gera resultados práticos e imediatos. E, neste caso, o recado chegou em forma de um exemplar do Jornal de Santa Catarina diretamente às mãos da presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto. E o resultado esperado se concretizou em menos de uma semana.
Era julho de 2013 e pela primeira vez em mais de 15 anos de reivindicações do Vale do Itajaí a obra de duplicação da BR-470 estava prestes a começar.
Manchete do Santa de 15 de julho de 2013 questiona atraso no início da obra: matéria chegou às mãos da presidente |
Flashback para entender o contexto
Em 1998, uma empresa chegou a ser escolhida pelo governo do Estado – na época a responsabilidade da rodovia federal tinha ficado a cargo do governo local –, mas no ano seguinte o Tribunal de Contas do Estado suspendeu o contrato por suspeita de irregularidades.
Nos anos seguintes, a rodovia volta ao comando federal e, em 2007, quando era ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff prometeu incluir a obra no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que ela liderava. Foi quando estudos de viabilidade econômica e impacto ambiental começaram a ser feitos, antes de elaborar o projeto de engenharia. Naquela altura, se imaginava ter a obra pronta entre 2010 e 2011 – o que obviamente não ocorreu.
Em junho de 2011, Dilma volta a Blumenau, já como presidente, para inaugurar condomínios do Minha Casa Minha Vida aos desabrigados da tragédia de 2008 no Vale do Itajaí. Discursou que “a duplicação da BR-470 é uma questão de honra”. Nessa altura não havia projeto de engenharia pronto ainda e mal havia finalizado o estudo de impacto ambiental, pré-requisito para obter o licenciamento do Ibama e a liberação das obras.
Com pelo menos dois dos quatro lotes da BR-470 licitados era só começar a duplicação. Ela não começou
É a partir de 2012 que o processo começa a andar para valer, e o governo decide licitar a obra pelo sistema do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), o mesmo aplicado para obras das Olimpíadas e da Copa do Mundo de 2014, que reduzia de seis meses a um mês o tempo médio para escolher a empresa executora das obras.
Mapa detalha condições da obra em julho de 2013 |
A duplicação da BR-470 foi planejada em 73,2 quilômetros entre Navegantes e Indaial, sendo dividida em quatro lotes licitados separadamente. Entra 2013 e os primeiros lotes começam a ser licitados. Mas a demora agora era para a liberação da licença de instalação do Ibama, que atrasava o dobro do previsto, por burocracias. Era o último entrave para que fosse assinada a ordem de serviço aos lotes licitados – formalidade que garante juridicamente o início das obras.
Em 4 de junho o Ibama emite a licença. Com pelo menos dois dos quatro lotes licitados era só começar a obra. Ela não começou.
Foco no tema e dedicação para mobilizar a sociedade
Entre 2012 e 2013 eu virei uma espécie de setorista da BR-470, liderando a execução das ações editoriais do Grupo RBS no Vale do Itajaí. A empresa, que já havia adotado a bandeira pelo menos duas vezes em anos anteriores, decidiu apostar forte no tema. O então editor-chefe do Jornal de Santa Catarina, Evandro de Assis, me convidou para fazer parte do projeto e ficar em cima do lance de qualquer novidade que surgisse sobre o tema. Faríamos uma nova campanha editorial no jornal, na Rádio Atlântida e na RBS TV Blumenau.
Lançamento da Campanha BR-470: Todos de Olho, do Grupo RBS, um dia após a assinatura da ordem de serviço |
Precisaríamos ser criteriosos e técnicos na abordagem dos assuntos, trabalhar com jornalismo de dados, além de pensar em ações multimídia para engajar a população. Um desafio, pois grande parte das ações burocráticas da obra se desenrolavam em Brasília ou em Florianópolis, portanto distante de Blumenau, onde estávamos.
Assim que chegava à redação, vasculhava todos os dias no Diário Oficial da União à procura de novidades, também era frequente, pelo menos uma vez por semana, ligações para o superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) em Rio do Sul, Elifas Marques, que embora fosse receoso com a imprensa, sempre me recebeu de modo cordial. Ele cuidava do trecho da estrada que passaria por obras, mas não o DNIT fazia o projeto da obra longe dele, uma mostra da desorganização estatal.
Campanhas lançadas pela RBS em prol da duplicação da BR-470 em Santa Catarina |
Questionamento em forma de reportagem para nas mãos da presidente
Era 12 de julho de 2013 quando chego pela manhã à redação obstinado a fazer uma reportagem questionando os atrasos. Na aquela altura faziam 40 dias que todos os pré-requisitos para a obra começar haviam sido superados, mas nem havia sinal da assinatura da ordem de serviço, uma formalidade que os políticos em peso costumam aproveitar para aparecer nas fotos em busca de reconhecimento popular. Converso com o então editor-executivo Fábio da Câmara, que me apoia na ideia e me orienta a mostrar impactos reais na vida das pessoas devido ao atraso.
Jornalismo de dados que identificou naqueles 40 dias de espera pelo menos oito mortes em acidentes na BR-470 – 44 óbitos se contar desde janeiro. Um de nossos cases, Diogo Cristofolini, perdeu 36 horas em engarrafamentos na rodovia sobrecarregada e que já deveria estar passando por obras.
Até o fim desta semana assinem essa ordem de serviço!
Na apuração descubro dois motivos para o atraso: o primeiro seria a greve dos funcionários do DNIT e o segundo, a intenção de encaixar um espaço na agenda da presidente Dilma para que ela viesse ao Estado assinar a ordem de serviço. Quarenta dias apenas para encaixar na agenda.
Reportagem do Santa que chegou mobilizou a Presidência da República |
Publicamos a reportagem na edição do Jornal de Santa Catarina de 15 de julho de 2013, uma segunda-feira. Naquele dia, em vez de trabalhar pela manhã, fui à tarde para a redação. Quando jantava no restaurante da empresa, alguém avisou correndo que havia uma ligação da Presidência da República para mim. Subi imediatamente as escadas e do outro lado da linha estava a então ministra da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, Ideli Salvatti. Ela queria me comunicar que levou um exemplar do jornal para a reunião interministerial que acabara de terminar. Segundo Ideli, a presidente Dilma olhou a matéria e esbravejou: “Até o fim desta semana assinem essa ordem de serviço”.
Reportagem detalha ligação do gabinete da Presidência e a cerimônia para assinar a ordem de serviço |
Nunca uma sentença teve tanto efeito prático em relação à BR-470. Na edição de terça-feira, noticiamos como manchete a definição da presidente. E na quinta-feira daquela semana, a ordem de serviço foi assinada. Sem Dilma, mas com os ministros Ideli Salvatti e César Borges, dos Transportes.
Reportagem sobre a assinatura da ordem de serviço: mais enfoque nos desafios da obra do que nos políticos |
E no dia seguinte, em vez das fotos dos políticos, publicamos sinais do início efetivo das obras. Enquanto voltávamos da cerimônia, eu e o repórter fotográfico Lucas Amorelli fomos surpreendidos por máquinas já trabalhando no lote 3, em Gaspar.
Capa do Santa após a assinatura da ordem de serviço: foco é convocar a sociedade a ser fiscal da obra |
A partir daí lançamos na RBS a campanha De Olho na Duplicação da BR-470, convocando a sociedade a fiscalizar a obra. Um case jornalismo comunitário, busca pela transparência no serviço público e de jornalismo de dados, uma vez que o Jornal de Santa Catarina alimentou por 15 anos um banco de dados próprio sobre as mortes ocorridas na estrada.
Infelizmente as obras não tiveram o ritmo imaginado: os primeiros lotes deveriam ter sido entregues em dezembro de 2017. Mas a pressão da reportagem fez a cobrança, que antes era focada no DNIT em Santa Catarina – com poucos efeitos concretos –, disparar no gabinete da Presidência, tendo resultados imediatos, afinal de contas, era para ser “uma questão de honra”.
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